Cresce o número de ações contra demissões por discriminação. Saiba o que fazer
Em 2023, houve um crescimento de 16,5% nos casos que envolvem gordofobia, racismo, homofobia, etarismo, entre outras formas de discriminação como a demissão de trabalhadores que adoecem
Casos de discriminação no mundo do trabalho são frequentes e envolvem diversas vertentes como o racismo, a gordofobia, a LGBTQIA+fobia, o preconceito contra negros negras, a discriminação por causa da idade (etarismo) e em relação às mulheres, que de forma velada, ao promoverem cortes, em geral, as empresas as colocam em primeiro lugar nas demissões.
No caso específico das mulheres, dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) comprovam a situação desfavorável a elas. No 4º trimestre de 2023, a taxa de desocupação entre as mulheres negras (que sofrem dupla discriminação) era de 11,1%, quase o dobro da taxa de desocupação entre os homens que foi de 6%.
Mas há uma resistência. Ainda que o cenário justo e ideal seja de não discriminação no mundo do trabalho, os casos existem e esses trabalhadores e trabalhadoras estão reclamando na Justiça direitos e reparações. A Constituição Brasileira, em seu artigo 7º, assegura ao trabalhador o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa. No entanto, por falta de regulamentação legislativa, esse direito não é aplicado às relações de emprego no Brasil.
‘Briga’ na Justiça.
Um levantamento feito pela Justiça do Trabalho com base em processos trabalhistas movidos em 2023 mostra que houve, em relação a 2022, um crescimento de 16,5% nos casos de demissões supostamente motivadas por discriminação. Os casos envolvem todos os fatores já citados - racismo, gordofobia, orientação sexual, idade e pessoas com deficiências. Ao todo, em 2023, foram apresentadas 16.085 novas ações sob alegação de discriminação.
Mas para além desses casos, há também processos que envolvem demissões de trabalhadores que adoeceram ou apresentam condições específicas. Exemplos comuns são os de trabalhadores demitidos por viverem com o HIV, terem câncer e por terem desenvolvido doenças psiquiátricas, causadas, em grande parte das vezes, pelas próprias condições de trabalho.
“O número de casos merece uma investigação sobre os motivos que contribuem para esse crescimento, inclusive para um patamar superior ao de 2019”, alerta o secretário nacional de Relações do Trabalho da CUT, Sergio Antiqueira. Em 2019 foram 15.195 novos processos.
O dirigente aponta o aumento da influência de conceitos ultraconservadores, disseminados pela extrema direita nos últimos anos como fator que contribui para o aumento de casos de discriminação. Ou seja, ele fala sobre a normalização dos discursos de ódio por parte da sociedade contribuindo para que, até mesmo no ambiente de trabalho, onde geralmente há códigos de conduta e regras de convivência, esses casos aconteçam.
“Temos visto o quanto o crescimento do fascismo no Brasil e no mundo e a forma como os algoritmos funcionam nas redes sociais têm atuado para o crescimento e naturalização de violência discriminatória contra vários grupos sociais”, diz Antiqueira que ainda cita a flexibilização de direitos promovida pela Reforma Trabalhista de 2017.
“É preciso avaliar qual contribuição teve a reforma Trabalhista para legitimar medidas discriminatórias promovidas pelas empresas no momento da demissão”, pontua o dirigente.
A secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uheara, alerta ainda que é preciso conscientizar a sociedade, a classe trabalhadora, gestores e empresas sobre as diferentes formas de discriminação. Ela afirma que este um caminho que leva a uma “maior procura e utilização de mecanismos de reparação”.
“O que queremos são ambientes de trabalho livres de assédios e discriminações e isto avança com sindicatos atuantes e presentes no cotidiano da classe trabalhadora”, ela pontua. O movimento sindical atua por meio de campanhas e nas negociações coletivas com a inclusão de cláusulas voltadas à promoção da inclusão, da igualdade, do respeito e contra todos os tipos de assédio.
Direitos
Cabe aos trabalhadores que entendem terem sido dispensados por atos discriminatórios procurarem, prioritariamente seus sindicatos para buscar apoio e orientação jurídica e poder garantir seus direitos.
“A Convenção nº 111 da OIT, que em 1965 foi ratificada pelo Brasil, veda a discriminação e o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório e tem previsão em lei sobre o direito à reparação pelo dano moral, podendo o empregado optar entre ser reintegrado com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou perceber, em dobro, a remuneração do período de afastamento”, observa o secretário nacional de Relações do Trabalho da CUT.
Importante: é preciso saber que cabe ao empregado provar a discriminação ocorrida por meio de testemunhas, áudios, documentos, ou quaisquer meios de prova.
O empregado for demitido poderá pleitear na Justiça do Trabalho a nulidade da dispensa além da indenização por dano moral. Se a Justiça reconhecer a demissão por discriminação, o empregado poderá optar entre ser reintegrado ao emprego e receber os salários relativos ao período do afastamento (entre a dispensa e a reintegração), ou receber uma indenização correspondente ao dobro da remuneração relativa ao período de afastamento.
Discriminação no mercado de trabalho e na Justiça
A discriminação ocorre não apenas com trabalhadores já empregados. Negros e negras, LGBTQIA+, pessoas com deficiências, pessoas gordas ou obesas, apesar de qualificação e competência inquestionáveis, muitas vezes são pessoas discriminadas em processos seletivos e ficam sempre atrás nas disputas pelas vagas abertas no mercado de trabalho.
A discriminação causa grande sofrimento. Por isso muitos recorrem à Justiça, que em vários casos dá ganho de causa aos trabalhadores discriminados e determinado o pagamento de indenizações. Num recorte sobre a gordofobia, entre 2019 e 2022, a Justiça brasileira, segundo a ferramenta Data Lawyer, contabilizou 721 processos em todo o país, envolvendo esse tipo de preconceito, dos quais, 328 foram ajuizados durante a pandemia (2020 e 2021).
Não contratar pessoas com base em seu biótipo não é considerado crime, mas pode ser enquadrado como injúria e implicar em pagamento de danos morais, respectivamente, nas esferas criminal e cível, explica o advogado trabalhista Eduardo Henrique Marques Soares, sócio da LBS Advogados.
“Não há legislação que trate diretamente do preconceito à pessoa obesa”, ele diz. No entanto, segundo o advogado, “pode-se também invocar o artigo 5º da Constituição federal, que impede qualquer tipo de distinção entre as pessoas, por quaisquer motivos, como é o caso da obesidade”.
Fonte: CUT Brasil, 28 de junho
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